O guia VISOAUDIO tem como objetivo
principal encorajar realizadores
cinematográficos a produzir vídeos
acessíveis aos telespectadores S/surdos e
ensurdecidos, pensando na inclusão,
desde o início do processo da produção
audiovisual.
O conteúdo foi 100% escrito e ilustrado
com imagens do filme “O Filho Pródigo”,
que foi produzido exclusivamente com a
finalidade de elucidar este guia. Por isso,
recomendamos que assista ao filme antes
de continuar a leitura.
Você descobrirá que, seguindo as dicas
VISOAUDIO,
além de promover a inclusão dos telespectadores S/surdos e ensurdecidos, o
seu filme também será acessível aos telespectadores de qualquer língua, quer
seja oral ou visual. Isso ampliará o alcance da sua produção no mercado
audiovisual internacional.
O termo VISOAUDIO é um trocadilho que foi criado a partir da palavra
“audiovisual”.
áudio + visual =
audiovisual
viso(ual) + áudio = VISOAUDIO
Audiovisual e VISOAUDIO são palavras compostas por duas outras palavras:
“áudio”, que significa técnica de transmissão, recepção e reprodução de sons e
“viso ou visual”, que significam relativo a ou próprio da visão; modo de
apresentar-se; aparência; aspecto; fisionomia.
Ao inverter a posição da palavra “áudio”, colocando-a em segundo lugar,
significa que a maneira VISOAUDIO de fazer filmes consiste em dar um foco
maior na imagem, enquanto o som é definido como um complemento auditivo
para os telespectadores ouvintes.
Poderíamos assim dizer que a acessibilidade no VISOAUDIO acontece de
forma inversa. Do mesmo modo que as legendas nos filmes sonoros
promovem a acessibilidade dos telespectadores S/surdos e ensurdecidos, os
filmes VISOAUDIO são sonoros para promover a acessibilidade aos
telespectadores ouvintes.
O silêncio, para os ouvintes, tem um significado próprio. Por esse motivo, a
trilha sonora de um filme, para esse grupo de telespectadores, é parte
inseparável do produto.
Neste guia você passará por todas as etapas do processo de montagem de um
filme e conhecerá a maneira VISOAUDIO de fazer cinema. Caso você seja um
realizador cinematográfico iniciante, recomendamos que busque primeiro outras
fontes de conhecimento, para depois utilizá-lo.
E para você, que já tem experiência com cinema, esperamos que esteja
animado para produzir o seu primeiro filme VISOAUDIO. Convide a sua equipe
para iniciar junto com você essa aventura cinematográfica. É importante que
todos os profissionais envolvidos nesse processo criativo estudem e trabalhem
juntos. Vocês verão que cada detalhe visual é muito importante, pois a regra do
jogo é: “Mostre. Não fale!”.
Comparamos o diretor de um filme VISOAUDIO a um maestro de uma
orquestra sinfônica. Assim como um maestro tem a função de orientar os
músicos na execução da partitura, o diretor tem a função de orientar toda a
equipe na execução do roteiro.
Com essa comparação, o diretor de um filme VISOAUDIO não é diferente de
um diretor de um outro tipo de filme, entretanto, a distinção entre eles está na
“partitura”. O roteiro de um filme VISOAUDIO é diferenciado de um filme
sonoro, pois nele não há a necessidade de estarem escritas as falas e os
diálogos contidos na história.
Toda a narrativa do filme VISOAUDIO está baseada nas imagens construídas
através das ações das personagens em ambientes preparados. O diretor
precisa manter a harmonia entre as partes para que tudo seja realizado com
foco na narrativa visual, a fim de que os telespectadores S/surdos e
ensurdecidos possam compreender a história que está sendo contada.
Assim como em um concerto sinfônico, um maestro precisa coordenar todos os
músicos para que interpretem a partitura harmoniosamente, o diretor
VISOAUDIO precisa estar atento para que o roteiro seja seguido à risca, pois se
umas das partes falhar, pode interferir na transmissão da história.
É preciso que o diretor de um filme VISOAUDIO estude essa nova maneira de
fazer cinema, por isso, recomendamos a análise detalhada deste guia. Outra
recomendação importante é que o diretor e sua equipe assistam a filmes cujas
narrativas sejam majoritariamente visuais, tais como: cinema mudo, filmes sem
falas e sem diálogos, desenhos animados como “Tom e Jerry”, animações
musicadas e filmes de diretores como Alfred Hitchcock, cujo lema era “Mostre.
Não fale!”
O diretor de um filme VISOAUDIO é responsável pelo produto, por isso, ele
precisa fazer-se presente do início até o fim do processo. É importante que ele
esteja dirigindo todas as etapas de produção. A boa direção de um filme
VISOAUDIO será avaliada pela harmonia do todo.
Assim como em uma orquestra, onde a música é apreciada pelo seu conjunto,
também deve acontecer com um filme VISOAUDIO, onde a composição das
imagens em movimento constitui uma “sinfonia visual”.
A primeira etapa do processo de montagem de um filme VISOAUDIO é a
escolha da história que será contada. A proposta é escrever todo o roteiro
apresentando o enredo através de elementos visuais e das ações das
personagens, onde as possíveis falas ou diálogos sejam desnecessários para
o entendimento da narrativa.
O roteiro é a base de todo o processo de produção de um filme. Ele é o primeiro
passo e por isso precisa ser bem definido, pois todas as outras etapas
dependerão dele.
O roteiro do filme “O Filho Pródigo” foi produzido especialmente para servir
como ilustração para o referido guia. Baseou-se na parábola homônima
descrita no evangelho de Lucas, capítulo quinze, do versículo onze ao trinta e
dois, publicado na Bíblia Sagrada da Nova Versão Internacional.
Não esquecendo da regra principal do jogo: “Mostre, não fale!”, o desafio era
escrever um “roteiro visual”, ou seja, um roteiro sem falas ou diálogos. Toda a
construção da narrativa deveria ser feita através de imagens e ações. As
informações mais importantes seriam mostradas sem a necessidade da ajuda
do áudio para transmiti-las.
No versículo onze da parábola diz: “Um homem tinha dois filhos”. Como
poderíamos mostrar que os personagens citados eram um homem e seus dois
filhos? No roteiro do filme “O Filho Pródigo”, decidimos descrever essa cena
através de ações.
CENA 1
EXT. – CEMITÉRIO – DIA
No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos,
recebe as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua
esposa. Depois que todos saem, o viúvo coloca uma rosa próxima à foto
de sua falecida esposa, que está sobre o túmulo fechado.
O roteiro do filme “O Filho Pródigo”, que está disponível abaixo, foi construído
como um conjunto de ações visualmente executáveis que têm a função de
contar uma única história.
ROTEIRO
O FILHO PRÓDIGO
CENA 1
EXT. CEMITÉRIO – DIA
No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos,
recebe as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua
esposa. Depois que todos saem, o viúvo coloca uma rosa próxima ao
porta retrato com a fotografia de sua falecida esposa, que está sobre o
túmulo fechado.
CENA 2
INT. SALA DE JANTAR – DIA
O pai está sentado à mesa, tomando uma xícara de café, quando é
surpreendido pelo filho mais novo, que discute com ele dizendo que vai
embora de casa e que quer a sua parte na herança. O filho mais velho
observa a discussão ao longe.
CENA 3
INT. SALA DE VISITAS – DIA
O tabelião acerta os detalhes da herança da família. O pai e os seus dois
filhos assinam o testamento. O pai entrega a herança do filho mais novo:
dinheiro e joias.
CENA 4
INT. QUARTO DO FILHO MAIS NOVO – DIA
O filho mais novo arruma a sua mala, colocando os seus pertences
dentro dela.
CENA 5
EXT. - FACHADA DA CASA – DIA
O filho mais novo despede-se do pai. O irmão mais velho observa a
cena. O filho mais novo entra no caminhão, dá partida e vai embora.
CENA 6
EXT. - CIDADE/FACHADA DO BAR – DIA
O filho mais novo chega na cidade dirigindo o seu caminhão. Ele
estaciona na frente do bar e entra.
CENA 7
INT. BAR – NOITE
O filho mais novo compra bebida alcoólica e paga para todos os que
estão no bar. Ele joga cartas apostando e perde todo o seu dinheiro, os
seus pertences (casaco e sapatos), o caminhão e até as joias que
recebeu de herança.
CENA 8
EXT. FACHADA DO BAR – AMANHECER
O filho mais novo está dormindo na calçada do bar. A funcionária do bar
sai para varrer e ao ver que o rapaz está dormindo na calçada, chama o
dono do bar para resolver a situação. O dono do bar acorda o rapaz e
pede que ele saia. O filho mais novo levanta-se e vai embora.
CENA 9
INT. CASA DO PAI – DIA
O filho mais velho reprova a atitude do pai, que fica à frente de casa à
espera do seu filho mais novo – passagem de tempo.
CENA 10
INT. SALA DE JANTAR – DIA
O filho mais velho almoça enquanto o pai apenas olha para o prato de
comida. O pai levanta-se da mesa sem comer e pede licença ao filho
mais velho.
CENA 11
EXT. FACHADA DA IGREJA – DIA
O filho mais novo pede esmola na porta da igreja. Ele lembra como ele
era bem tratado na casa do pai (cenas da memória do filho mais novo
junto à sua família). O filho mais novo decide voltar para casa.
CENA 12
EXT. FRENTE DA CASA – DIA
O pai, que está na porta da frente da casa à espera do filho mais novo,
vê ao longe que ele está regressando para casa, avisa ao filho mais
velho e sai correndo ao encontro do filho mais novo. O filho mais velho
observa a atitude do pai com olhar de reprovação.
CENA 13
EXT. ESTRADA DA CASA – DIA
O pai corre emocionado ao encontro do filho mais novo e o abraça. O
filho surpreende-se com a receptividade do pai.
CENA 14
INT. QUARTO DO FILHO MAIS NOVO – DIA
O pai mostra ao filho mais novo uma combinação de roupas novas que
havia comprado para ele e dá uma toalha e um sabonete para o filho
mais novo tomar banho.
CENA 15
EXT. FRENTE DA CASA – NOITE
O pai dá uma festa para celebrar o retorno do filho mais novo, mas
percebe que o filho mais velho não está presente e sai a sua procura.
CENA 16
INT. PORTA DO QUARTO DO FILHO MAIS VELHO – NOITE
O pai vai ao quarto do filho mais velho chamá-lo para celebrar com ele o
retorno do filho mais novo, mas ele recusa. Numa tentativa de
reconciliação, o pai relembra ao filho mais velho como ele e o irmão eram
unidos (cena da memória do filho mais velho jogando bola com o seu
irmão). O filho mais velho, ao lembrar dos bons momentos vividos com o
irmão, aceita o pedido do pai e segue em direção à festa.
CENA 17
EXT. FRENTE DA CASA - NOITE
Ao som de uma música animada e com uma mesa farta de comidas
gostosas, todos celebram a volta do filho pródigo.
FIM
Com o “roteiro visual” em mãos, está na hora de reunir a equipe para planejar
as etapas de produção do filme. Porém, antes mesmo da escrita do roteiro, é
muito importante agendar uma reunião geral com toda a equipe técnica para
apresentar a maneira VISOAUDIO de fazer filmes.
Essa reunião é necessária porque a grande maioria dos profissionais do
audiovisual têm uma maneira própria de fazer filmes, utilizando a imagem e o
som na mesma posição hierárquica de valor. Além disso, algumas dessas
produções supervalorizam o áudio em relação à imagem, inviabilizando o
acesso para os telespectadores S/surdos e ensurdecidos.
O produtor de um filme precisa ter a habilidade para resolver problemas. Ele é o
administrador dos recursos financeiros e precisa saber negociar ou renunciar
uma determinada escolha, a fim de viabilizar a realização do filme.
Em um filme VISOAUDIO, o produtor também precisa ter um elevado senso
artístico. A participação dele não é apenas administrativa, mas também criativa.
Todas as decisões do produtor precisam seguir a opção estética visual do filme.
Façamos de conta que, devido à necessidade de redução do orçamento, o
produtor do filme “O Filho Pródigo” decida tirar os elementos da rosa e do porta
retrato com a fotografia da falecida na cena 1:
CENA 1
EXT. CEMITÉRIO – DIA
No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos,
recebe as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua
esposa.
Depois que todos saem, o viúvo coloca uma rosa próxima ao porta
retrato com a foto de sua falecida esposa, que está sobre o túmulo
fechado.
Se fosse um filme com falas e diálogos, poderíamos retirar esses dois
elementos e substituir pelo diálogo entre o personagem do viúvo e um de seus
parentes:
CENA 1
EXT. – CEMITÉRIO – DIA
No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos,
recebe as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua
esposa.
PARENTE
Meus pêsames.
VIÚVO
Obrigado.
PARENTE
Sinto muito pelo falecimento de sua esposa.”
Porém, na maneira VISOAUDIO de fazer filme, a regra do jogo é “Mostre. Não
fale!” Logo, não seria possível simplesmente eliminar os elementos visuais da
rosa e do porta retrato com a fotografia da falecida esposa, sem apresentar uma
outra solução visual que fosse compatível ao orçamento do filme. Dentro da
proposta VISOAUDIO de fazer filmes, é muito importante lembrar que a
principal função do produtor é ajudar o diretor a contar a história do filme e
tudo começa no roteiro.
A figura do produtor é popularmente conhecida como aquele que “corta as
asas” do diretor do filme, como se o diretor fosse o sonhador e o produtor o
realista. No processo de produção de um filme VISOAUDIO, tanto o diretor
como o produtor precisam manter a cabeça nas nuvens e os pés no chão, para
que a história do filme seja contada criativamente de forma visual.
O produtor está presente em todas as etapas de realização de um filme. Ele é o
primeiro a chegar e o último a sair. Por isso, é importante que ele tenha um bom
relacionamento profissional com toda a equipe. O sucesso do filme dependerá
da preparação de um bom planejamento e da organização de um cronograma
baseado em meses, semanas e dias, dentro do orçamento que já foi pré
estabelecido.
Cada etapa tem a sua importância e por isso é necessário que toda a equipe
caminhe junta, buscando a harmonia entre as partes. Agora que já temos o
“roteiro visual” em mãos e a equipe devidamente informada sobre a maneira
VISOAUDIO de fazer filmes, mãos à obra!
A seleção de elenco de um filme VISOAUDIO é semelhante à seleção de outros
tipos de filme, porém, há pontos importantes que precisam ser observados.
Essa etapa é parte importante do processo e é fundamental que as
características físicas contribuam visualmente para a narrativa. Segundo o
“roteiro visual” do filme “O Filho Pródigo”, como podemos ver na cena 1, os
personagens principais são o pai e seus dois filhos.
CENA 1
EXT. CEMITÉRIO – DIA
No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos,
recebe as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua
esposa.
Imagine que os atores selecionados para interpretar esses personagens fossem
um homem preto com olhos castanhos (pai), um jovem loiro de olhos azuis
(filho mais velho) e um jovem ruivo com olhos verdes (filho mais novo). Será
que ficaria claro para os telespectadores que se tratava de uma família?
A resposta poderia ser sim, pois há famílias biológicas formadas por etnias
diferentes, ou os filhos poderiam ser adotivos, ou ainda o viúvo poderia ter
tidofilhos com mulheres diferentes e os irmãos seriam na verdade meio irmãos. Ou
quem sabe, o viúvo não era o pai dos dois rapazes e sim o padrasto.
Se fosse um filme com falas e diálogos poderíamos ignorar essas
características físicas e substituí-las pelo diálogo entre o personagem do viúvo
e um de seus parentes:
CENA 1
EXT. – CEMITÉRIO – DIA
No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos,
recebe as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua
esposa.
PARENTE
Meus pêsames. Sinto muito pelo falecimento de sua esposa.
VIÚVO
Obrigado.
PARENTE
Não deve ser fácil criar dois filhos sem a presença de uma mãe”
Vamos novamente lembrar que na maneira VISOAUDIO de fazer filme a regra
do jogo é “Mostre. Não fale!”, logo, no filme “O Filho Pródigo”, não seria
possível simplesmente ignorar as características físicas desses personagens.
Também
não seria uma boa ideia desprezar outras características físicas do elenco como
a faixa etária dos atores em relação à idade da falecida esposa.
CENA 1
EXT. CEMITÉRIO – DIA
...Depois que todos saem, o viúvo coloca uma rosa próxima ao porta
retrato com a foto de sua falecida esposa, que está sobre o túmulo
fechado.
Será que ficaria claro que a falecida era a esposa do homem se a foto sobre o
túmulo fosse de uma senhora idosa? Será que não pensariam se tratar da
morte da mãe dele? Sabemos que há homens que se relacionam com
mulheres mais velhas, mas esses relacionamentos são exceções à regra. Sem
a presença de falas e diálogos para esclarecer, é melhor optar pelo senso
comum ou utilizar como referência os padrões sociais, a fim de tornar o perfil
dos personagens mais visivelmente reconhecível para os telespectadores.
Mesmo que seja necessário recorrer a alguns estereótipos.
No filme VISOAUDIO, o som não é necessário à compreensão da narrativa.
Sendo assim, outro ponto a ser observado durante a escolha dos atores é a
capacidade de improvisar falas ou diálogos ou de criar um Gibberish, que é uma
“língua fictícia inventada”. Nesse caso, a improvisação contribui para a
desenvoltura da expressão corporal dos atores. Em “O Filho Pródigo”, seguindo
a orientação da direção, os atores improvisaram as cenas baseadas no “roteiro
visual”, criando diálogos em português do Brasil.
Você poderia perguntar: “Já que o roteiro do filme VISOAUDIO é visual e não
precisa das falas e dos diálogos, por que os atores não fazem apenas mímica?”
A resposta é simples: a proposta do filme VISOAUDIO não é utilizar o recurso
da Pantomima e nem se propõe a voltar a era do Cinema Mudo. A ideia é
produzir um filme sonoro, onde a história é contada através de ações e o áudio
é um recurso complementar à narrativa, promovendo assim a acessibilidade
dos telespectadores ouvintes.
Não há problema se o diretor desejar manter audível as falas e os diálogos em
seu filme VISOAUDIO, porém, ele não pode esquecer que a regra do jogo é
“Mostre. Não fale!”. Por isso, no filme “O Filho Pródigo”, optamos por não
captar o áudio das falas e dos diálogos do filme, deixando todo o poder da
narrativa
nas imagens e nas ações mostradas na história.
A decupagem é uma parte muito importante do processo de produção
audiovisual. Porém, tratando-se de um filme VISOAUDIO, essa importância
torna-se ainda maior, pois não será possível buscar soluções sonoras para a
falta de imagens ou substituição de planos no momento da edição, como é feito
em alguns casos do cinema sonoro.
Na cena de uma festa, em um filme sonoro, não é preciso mostrar se a música
está vindo de um aparelho de som ou se há uma banda tocando. Numa cena em
que pessoas estão conversando ao som de uma música de fundo, os
telespectadores ouvintes compreenderão que eles estão em uma festa, sem
necessariamente identificar de onde vem a música.
Já na cena da festa do filme “O Filho Pródigo”, a narrativa indica a presença da
música ao mostrar imagens dos músicos e das pessoas dançando.
Imagem 1
O importante no momento da decupagem de um filme VISOAUDIO é
compreender que a diegese é exclusivamente visual, ou seja, todos os
elementos que compõem a narrativa são mostrados através dos elementos
visuais e das ações das personagens. É na decupagem onde a regra “Mostre.
Não fale!” precisa ser rigorosamente seguida, tornando possível visualizar toda
a história do filme através de um storyboard.
A escolha dos enquadramentos e de como serão gravados garantirá a qualidade
da narrativa. Baseada no “roteiro visual”, a decupagem será o guia do filme e é
a primeira decisão estética de como a história será contada. Ela é um mapa que
deve ser seguido por todos e por isso é muito importante que a feitura desse
documento seja minuciosamente discutida com a direção do filme. Os planos e
os ângulos definidos são como palavras, que juntas formam frases, construindo
os “parágrafos visuais” da história a ser contada.
Diferentes tipos de planos provocam diferentes efeitos narrativos e a ordem em
que eles são apresentados também influencia o percurso da história. No roteiro
do filme “O Filho Pródigo”, como podemos ver abaixo, temos a descrição da
primeira cena, seguida da tabela de decupagem e das imagens de frames
ilustrativos, que foram extraídos do filme.
EXT. CEMITÉRIO – DIA
No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos, recebe
as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua esposa.
Depois que todos saem, o viúvo coloca uma rosa próxima ao porta retrato
com a foto de sua falecida esposa, que está sobre o túmulo fechado.
Cena | Int/Ext | Dia/Noite | Set | Descrição | Plano | Enquadramento | Ângulo | Movimento |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | Externa | Dia | Cemitério | No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos, recebe as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua esposa. | P1 | PA | 3/4 | Fixo |
1 | Externa | Dia | Cemitério | No enterro, um homem que está acompanhado de seus dois filhos, recebe as condolências dos amigos e parentes pelo falecimento de sua esposa. | P2 | PP | Frontal | Fixo |
1 | Externa | Dia | Cemitério | Depois que todos saem, o viúvo coloca uma rosa próxima ao porta retrato com a foto de sua falecida esposa, que está sobre o túmulo fechado. | P3 | PD | Frontal | Fixo |
Imagem 2
PA – Plano Aberto, ¾, fixo
Imagem 3
PP – Primeiro Plano, frontal, fixo.
Imagem 4
PD – Plano Detalhe, frontal, fixo.
A escolha do uso do recurso do foco e do desfoco é decidida na decupagem. A
principal função do foco é direcionar a atenção da plateia. Através da
utilização
desse recurso, pode-se delimitar áreas específicas de maior ou menor atenção,
manipulando assim o olhar do telespectador.
No filme “O Filho Pródigo”, o uso do foco e do desfoco acentuou o contraste da
situação psicológica entre o Pai e o Filho mais Velho. Dessa forma, foi possível
enfatizar o estado depressivo do Pai e a reprovação do Filho Mais Velho, em
relação à atitude do Pai (ver imagens 5 e 6).
Imagem 5
Foco no pai (primeiro plano), fundo desfocado.
Imagem 6
Foco no filho mais velho (ao fundo), pai desfocado (primeiro plano)
Depois do roteiro escrito e a decupagem finalizada, começa o trabalho do
diretor de arte, que é o autor do conceito visual do filme. É o diretor de arte
que, usando o espaço, o volume, a textura, a luz e a cor, definirá o que será
mostrado na tela.
No filme VISOAUDIO, a proposta é a utilização de todos os recursos visuais
disponíveis, a fim de contribuir para uma melhor compreensão da narrativa.
Dessa forma, a principal função da direção de arte é ajudar a contar a história
do filme.
Tanto a decupagem quanto a fotografia influenciam diretamente no trabalho da
direção de arte e vice-versa. A escolha dos enquadramentos e os diferentes
tipos de iluminação e intensidade de luz são fatores importantes para a
composição das cenas. Para que haja uma harmonia na estética visual do
filme, é fundamental que esses profissionais trabalhem juntos desde o início do
processo criativo.
Além de construir cenários e escolher as locações, o diretor de arte também
trabalha na concepção da caracterização dos personagens. O figurino e os
adereços ajudam na narrativa do filme e podem indicar tanto a personalidade,
quanto a classe social, idade ou o estado de espírito dos personagens,
contribuindo com a força visual da história que está sendo contada.
No filme VISOAUDIO nada deve ser dito exclusivamente através de falas ou
diálogos. Na primeira cena do filme “O Filho Pródigo”, para que os
telespectadores percebam que o viúvo está triste pelo falecimento de sua
esposa, não é necessário que ele diga: “- Estou muito triste...” O semblante
triste do personagem e a tonalidade escura do figurino cumprem a função de
expressar visualmente o sentimento de luto do personagem, como podemos ver
na imagem 7:
Imagem 7
Através dos figurinos, adereços e penteados, também foram apresentadas
características sobre o estado mental das personagens. Na imagem acima,
vemos que o pai (ao centro) e o filho mais velho (à direita) vestem roupas de
cores e estilos semelhantes, que são diferentes das que o filho mais novo (à
esquerda) está vestindo.
O mesmo acontece com o tipo de corte de cabelo e penteado. O filho mais novo
tem o cabelo levemente despenteado, além de ser um pouco mais comprido
que os dos outros. As diferenças e semelhanças apresentadas na
caracterização física dos personagens nessa cena serão reforçadas nas
próximas cenas, através das ações dos atores.
A passagem de tempo também pode ser definida através da caracterização dos
personagens. No filme “O Filho Pródigo”, o crescimento da barba e do cabelo
do personagem do filho mais novo (imagens 8 e 9) e a mudança no
comprimento do cabelo e da barba do pai (imagens 10 e 11), contribuem para
que os telespectadores percebam que um determinado período passou.
Imagem 8
Imagem 9
Imagem 10
Imagem 11
A cenografia do filme é onde vivem os personagens. Cada lugar mostrado na
tela abriga as ações da história e por isso é muito importante o trabalho do
diretor de arte na composição desses ambientes.
Como podemos ver nas imagens 12 e 13 do filme “O Filho Pródigo”, onde são
compostos subjetivamente “retratos de família”, percebemos claramente a
função narrativa dos elementos cenográficos, aliado ao posicionamento físico
dos personagens.
Imagem 12
A cena acima está representando o passado (“retrato de família antigo”). Todos
os membros da família estão reunidos em volta da mesa: ao centro estão os pais
compartilhando a cabeceira da mesa, com o filho mais novo sentado próximo ao
pai e o filho mais velho sentado próximo à mãe. Eles usam um figurino que indica
uma temperatura média, remetendo à estação da primavera.
Imagem 13
A cena acima está representando o presente (“retrato de família atual”): Cadeira
vazia (ausência da mãe), rede vazia (ausência do filho mais novo) e uma barreira
(meia-porta), separando geograficamente o filho mais velho de seu pai. Eles
usam um figurino que indica uma temperatura mais baixa, remetendo à estação
do outono.
A direção de arte também pode ajudar na interpretação dos atores,
disponibilizando elementos cenográficos que favorecem a ação e contribuem
para a narrativa, como no caso da maleta, dos documentos do inventário e da
caneta, que são os adereços utilizados pelo personagem do advogado no filme
“O Filho Pródigo” (ver imagem 14).
Imagem 14
O conteúdo de cartas e documentos cenográficos ajudam a transportar os atores
para dentro do universo da história, fazendo com que o personagem mergulhe
no mundo criado para a narrativa. No filme VISOAUDIO, além de ajudar na
descrição da ação, como na cena da partilha de bens, o conteúdo do inventário
contribuiu para a construção dramática do enredo.
Imagem 15
Mesmo que os telespectadores não tenham acesso à todas essas informações,
os detalhes contidos no documento de partilha de bens, contribuiu para o
enriquecimento da construção das “gênesis” dos personagens, que ganharam
nome e sobrenome: Emanuel Santos Rocha (pai), Hugo Nascimento Santos
Rocha (filho mais velho), João Nascimento Santos Rocha (filho mais novo),
Justino da Silva (advogado assistente) e Maria Cândida Nascimento Santos
Rocha (falecida mãe).
Outros dados como o nome da cidade e a data também foram informados no
referido documento. A escolha de locações naturais e a arquitetura de um
determinado lugar podem ajudar no trabalho da direção de arte, definindo o
tempo histórico e a geografia do local. Escolher paisagens que apresentam
essas características contribuem para a construção da narrativa.
No filme “O Filho Pródigo”, a placa com o nome do engenho e a chaminé ao
fundo (imagem 16) e a plantação de cana-de-açúcar (imagem 17) determinam
que as personagens principais da história vivem em um engenho.
Imagem 16
Imagem 17
Em ambientes fechados ou em locais onde a paisagem não apresenta estações
do ano bem definidas, a direção de arte pode utilizar artifícios que definam
visualmente a temperatura do ambiente onde as cenas acontecem. Um exemplo
desse recurso poderia ser o movimento de cortinas balançando, indicando a
presença do vento no local da cena, ou a utilização de um termômetro,
mostrando a temperatura de um determinado ambiente etc.
Na cena quando o personagem do pai se cobre com uma manta, para se aquecer
enquanto espera pela volta de seu filho mais novo (imagem 18), podemos
perceber que houve uma mudança na temperatura, em relação à cena anterior.
Imagem 18
O som também é um recurso utilizado pela direção de arte para contextualizar a
cena, entretanto, não há essa opção no filme VISOAUDIO. Muito pelo contrário,
todos os sons precisam ser “mostrados”. Como exemplo disso, no filme “O Filho
Pródigo”, um plano mostrando a chuva (imagem 19) foi inserido para indicar tanto
a mudança de tempo cronológico e climático, como reforçar o sentimento de
tristeza do pai por causa da partida do filho mais novo.
Imagem 19
Apesar da direção de arte ser muito importante para a construção da narrativa,
não há necessidade de que todos os elementos visuais relacionados à uma
determinada ação estejam presentes numa cena, pois o cérebro humano tem a
habilidade de completar as imagens que faltam. Além disso, o excesso de
elementos visuais pode poluir a cena, distraindo o telespectador do foco
principal.
Entretanto, é importante não confundir poluição com preciosismo, porque a
riqueza de detalhes pode agregar valor à narrativa, mesmo que não seja
percebida de maneira direta. No exemplo das imagens 20, 21 e 22, temos um
elemento cenográfico (uma manta) utilizado em três cenas, para mostrar a
relação afetiva entre o pai e o filho mais novo.
Imagem 20
Imagem 21
Imagem 22
A manta, que o pai está usando para se aquecer (imagem 22), pertence ao filho
mais novo, pois é a mesma que está sobre a cama dele na cena em que faz as
malas para ir embora (imagem 20) e na cena em que o pai o cobre quando está
dormindo (imagem 21).
Nesse caso, além de conectar os dois personagens, a manta, que serve para
aquecer o filho mais novo que está dormindo, simbolizando o calor do afeto
recebido pelo pai ao cobrir o filho que dorme, para o pai, que está usando a
manta para se aquecer, simboliza a saudade do filho que foi embora de casa.
Há elementos que são essenciais à compreensão da história que está sendo
contada. Cabe ao diretor de arte identificar quais são esses elementos.
Principalmente tratando-se de um filme VISOAUDIO, onde tudo o que está em
cena tem um propósito específico e nada deve estar na cena por acaso.
Os elementos decorativos como quadros, cortinas etc. ou a ausência deles,
devem contribuir para a narrativa ou ajudar os telespectadores a identificar as
personagens e compreender as respectivas ações.
Fotografia é luz e sem ela não podemos visualizar as imagens que foram
construídas para a narrativa. É o elemento de maior impacto e, junto com os
outros, propõe o sentimento e a atmosfera da cena. A fotografia pode definir o
tempo (dia/noite) e o estado emocional das personagens ou do ambiente
(alegria, paz, terror, mistério etc.).
Apesar da beleza contida nos efeitos de luz e sombra, é importante pensar que
a fotografia de um filme faz parte da história que está sendo contada. Por isso,
não deve ser usada apenas com fins decorativos, sobretudo tratando-se de um
filme VISOAUDIO. Mesmo que não haja um jeito certo ou errado para definir a
iluminação de um filme, é preciso observar o conceito estético proposto pela
direção e seguir as indicações contidas no roteiro.
As fontes de luz têm características próprias que estão relacionadas com a
intensidade, a cor, o tamanho, o ângulo e a função. Uma luz estourada pode criar
contornos para pessoas e objetos ou representar uma sensação de
ofuscamento, como por exemplo, o farol de um carro, uma explosão, um efeito
de magia etc.
Baseando-se no roteiro, a fotografia do filme “O Filho Pródigo” optou pela
clareza
da imagem. Isso foi estabelecido na decupagem, observando a relação entre os
planos. O objetivo principal dessa opção foi a valorização da narrativa visual
que
se deu através da utilização da iluminação natural como principal fonte de luz
(ver imagem 23).
Imagem 23
Em alguns planos foram utilizados refletores Fresnel, tanto para compensar a
falta de luz natural, como para pontuar a intensidade dramática de determinadas
cenas, controlando assim o contraste entre luz e sombra.
Na cena abaixo (imagem 24), onde o filho mais novo está em um bar, bebendo,
e perdendo no jogo, observamos sombras bem definidas, gerando uma luz mais
marcante, que evidenciam as expressões faciais e elevam a tensão da cena.
Imagem 24
Outro recurso utilizado em relação à fotografia, foi a luz diegética, como as lâmpadas da cena da festa, que além de compor a cenografia, faz parte da realidade fictícia criada no filme, caracterizando o ambiente e a época em que a história se passa.
Imagem 25
Sobre a cor da luz, foi definido que a mesma remetesse à iluminação natural dos ambientes onde ocorreram as cenas. Essa opção teve como objetivo reforçar a escolha estética do filme, que apresentava uma narrativa ocorrida em uma época remota. Para simular o horário diurno foi utilizada uma luz branca e para simular o turno da noite foi utilizada uma luz azul, como podemos ver nas imagens 26 e 27.
Imagem 26
Imagem 27
Para diferenciar o tempo cronológico em que as cenas acontecem dentro da
narrativa do filme, além da iluminação natural, foram utilizados dois tipos de
câmeras, que apesar de serem semelhantes, proporcionaram efeitos diferentes
devido às diferenças do balanço de cor.
As câmeras da marca Canon foram utilizadas para gravar as cenas ocorridas no
presente (imagem 28) e a câmera Nikon foi utilizada para gravar as cenas
ocorridas no passado (imagem 29), contribuindo para a impressão da identidade
visual ao filme.
Imagem 28
Imagem 29
Mesmo antes da sincronização entre a imagem e o som no cinema, a música e
os efeitos sonoros já faziam parte do momento da exibição. Por isso, a
denominação "Cinema Mudo", não corresponde totalmente à realidade da
época.
As emoções das cenas de um filme sonoro são transmitidas através do timbre,
do andamento e da harmonia da trilha sonora. No filme VISOAUDIO, as imagens
precisam traduzir todas as emoções da narrativa, pois os telespectadores
S/surdos e ensurdecidos não podem depender de um recurso sonoro para
apreciar a obra.
O som do filme VISOAUDIO não é necessariamente diegético, ou seja, não é
imprescindível que as falas, os diálogos, os efeitos sonoros, os ruídos e a
música
que é produzida dentro da narrativa seja audível aos telespectadores ouvintes.
No filme “O Filho Pródigo”, o áudio diegético das cenas não é percebido pelos
telespectadores. Os diálogos, os sons da natureza, o ruído do motor do
caminhão e toda a ambientação sonora produzida através das ações das
personagens e dos elementos cenográficos não foram captados e por isso são
imperceptíveis.
Entretanto, é importante lembrar que o filme VISOAUDIO promove inclusão para
os telespectadores ouvintes. Logo, é necessário criar uma trilha sonora que
acompanhe a narrativa apresentada através das imagens.
Caso o diretor decida incluir o áudio das falas e dos diálogos, os efeitos
sonoros
e a música diegética no seu filme VISOAUDIO, é importante lembrar que esse
recurso não pode sobrepor-se a narrativa visual.
O processo de composição da trilha sonora do filme “O Filho Pródigo” ocorreu
após a finalização da edição e deu-se em observância da relação entre a imagem
e o som. O objetivo era enfatizar a narrativa visual apresentada através das
cenas.
A composição da trilha sonora do filme baseou-se na complementação da carga
emocional de cada cena. Nas cenas tristes ou saudosistas, como quando o pai
está esperando o retorno do filho, o andamento da música é lento e a harmonia
é em tom menor. Já nas cenas felizes, como quando a família está toda reunida
em volta da mesa, o andamento da música é mais rápido e está em tom maior.
Na maioria das cenas, foram usados acordes consonantes. Entretanto, quando
havia algum tipo de tensão na narrativa, foram utilizados acordes dissonantes,
como no caso da cena do bar, em que o filho mais novo está perdendo dinheiro
no jogo.
Quanto ao material, foram utilizados três diferentes temas: o tema do pai
(quando
ele está triste ou saudoso), um tema relacionado à esperança (também ligado
ao pai ou em cenas mais singelas) e um tema de tensão, que foi utilizado na
cena em que o filho mais novo está discutindo com o pai.
Os temas principais foram compostos em modo menor e maior, variando de
acordo com a carga emocional do enredo. Em várias cenas, utilizamos motivos
menores que foram extraídos dos temas principais.
No filme “O Filho Pródigo”, os temas principais também se complementam. Na
cena do reencontro entre o pai e o filho mais novo, foi utilizada uma técnica
chamada Quodlibet, onde dois temas são usados ao mesmo tempo, em
justaposição.
Em dois momentos do filme, foi utilizada a técnica Mickey Mousing, onde a
música faz mímica à cena. O primeiro momento acontece quando o pai coloca
uma rosa na frente do porta retrato com a foto de sua falecida esposa. E o
segundo momento é na última cena, quando o pai e o filho mais novo brindam
juntos.
Foram utilizadas sequências descendentes nas cenas em que o filho mais novo
está triste. Durante a cena do jogo de apostas no bar, foram utilizadas notas
cromáticas (intervalos apertados) e na cena em que o filho mais velho joga
futebol com seu irmão mais novo, foram utilizadas articulações mais curtas
(staccato), para remeter ao clima de ludicidade.
Todo o som em um filme VISOAUDIO não é diegético, ou seja, é um
complemento narrativo acessível para os telespectadores ouvintes. Para os
telespectadores S/surdos e ensurdecidos, ele deve ser totalmente
desnecessário para a compreensão da narrativa. A regra “Mostre. Não fale!”
significa que os telespectadores S/surdos e ensurdecidos precisam “ouvir com
os olhos”.
A edição de um filme VISOAUDIO é uma parte importantíssima no processo de
produção. O editor é considerado como um dos criadores da narrativa
audiovisual. É através da edição que a história é estruturada. É nessa parte do
processo em que todas as outras partes serão intensificadas de forma
harmoniosa para a consolidação do todo.
Durante o processo de edição, as imagens são separadas, depois são
selecionadas e ordenadas de uma determinada maneira, produzindo
significados diferentes às sequências do filme. O processo de edição pode ser
comparado ao trabalho de um ourives, que ao lapidar uma pedra bruta,
transforma-a em uma joia.
Através da mudança do ritmo, das intenções etc., os diferentes tipos de corte
entre as cenas, criam efeitos específicos, provocando uma ilusão na narrativa.
O trabalho do editor envolve a edição de imagem, a colorização, o tratamento do
áudio, o design gráfico e a criação dos efeitos visuais.
No filme “O Filho Pródigo”, o ritmo, a ordem e a duração dos planos variaram de
acordo com o sentido das cenas. O título do filme aparece com um efeito visual
que enfatiza o ato da leitura. A ilusão de que uma luz se movimenta da esquerda
para a direita orienta o movimento do olho do telespectador.
Imagem 30
O editor é o responsável pela montagem do filme. É ele quem toma as decisões
editoriais, definindo a narrativa, realçando as emoções das cenas e valorizando
a interpretação dos atores. Ele precisa selecionar as imagens que serão
utilizadas no filme, para depois juntá-las, formando uma sequência, como se
estivesse criando uma arte em mosaico.
No cinema, a forma mais elementar de edição é a justaposição de imagens em
variados tamanhos. Essa forma dá a ilusão que uma ação, que teve o seu ponto
de partida em um ponto A, chegou ao seu destino em um ponto B. Na edição
exploramos a linguagem, o ritmo, a velocidade e as possíveis combinações de
enquadramento para montar a estrutura da história.
Em um filme VISOAUDIO, é importante utilizar o princípio dramático conhecido
como a “Arma de Chekhov”, segundo o qual tudo o que está visivelmente na
cena deve ser necessário à narrativa.
Por exemplo, o colar com um pingente crucifixo, que o filho mais novo recebe de
herança, aparece tanto na cena da partilha quanto na cena do jogo, cumprindo
assim a sua função cênica.
Imagem 31
Imagem 32
O “princípio da continuidade” foi utilizado diversas vezes através dos
acontecimentos interligados, dando à narrativa um tom de realismo. Um exemplo
claro da utilização desse princípio são as cenas da sequência do caminhão,
quando o filho mais novo vai embora de casa.
Imagem 33
Imagem 34
Imagem 35
Imagem 36
O efeito “Kuleshov” pode ser observado na cena do bar, quando o filho mais
novo está perdendo no jogo de apostas. Isso ocorre porque, mesmo sem
visualizar o que está acontecendo na mesa durante o jogo (imagem 37), os
telespectadores compreendem o enredo por causa da imagem seguinte.
Imagem 37
Imagem 38
Na cena da lembrança do filho mais novo, quando ele está pedindo esmolas na
porta da igreja, utilizou-se o “princípio da compilação”, onde foram
selecionadas
imagens da família reunida em volta da mesa e do pai cobrindo o filho mais novo
com uma manta. O objetivo para a utilização desse princípio foi resumir o
pensamento da personagem, mostrando o contraste entre a situação que ele
estava vivendo na rua e o amor que ele recebia quando estava morando na casa
de seu pai.
Imagem 39
Imagem 40
Com exceção das cenas em que o pai está aguardando o retorno do filho mais
novo, na maioria das vezes, a edição do filme “O Filho Pródigo” seguiu o
roteiro.
Cortes secos foram utilizados diversas vezes, mas em alguns momentos foi
usado o efeito “fade-out” ou “fade-in”, para indicar a supressão da passagem de
tempo, como entre as cenas da saída do filho mais novo da igreja até a chegada
dele de volta à casa de seu pai.
Sobre o tratamento de cores, a escolha estética foi definida através da
saturação.
Desde a primeira cena até o momento que o filho mais novo volta para casa, a
imagem tem uma baixa saturação, refletindo o estado emocional da família
devido ao luto e à perda do filho mais novo. Após o retorno do filho mais novo,
há um aumento sutil na saturação da imagem, aumentando o contraste e a
vivacidade das cores, enfatizando o novo estado emocional da família.
Imagem 41
Imagem 42
O princípio da “câmera lenta” foi utilizado apenas uma vez, na última cena,
quando o pai e o filho mais novo brindam, promovendo a ideia de dilatação do
tempo, encerrando com o congelamento da imagem. O objetivo da utilização
desse princípio é permitir que o telespectador possa aproveitar melhor o
momento do reencontro, intensificando a alegria do ambiente festivo.
Imagem 43
Agora que seu filme VISOAUDIO está pronto, é hora de mostrá-lo. Para que seu
trabalho seja encontrado pelo público-alvo, é muito importante a divulgação nas
redes sociais e em plataformas específicas.
Palavras-chave ajudam a levar seu filme para o maior número de pessoas, por
isso, quando postar em canais como YouTube, não esqueça de escrever os
termos específicos relacionados a esse tipo de produção, por exemplo:
“visoaudio”, “audiovisual acessível”, “cinema inclusivo” e “telespectadores
S/surdos e ensurdecidos”. Participar de festivais de cinema e eventos
acadêmicos também são excelentes maneiras de divulgar sua produção
VISOAUDIO.
Depois de realizar seu primeiro filme VISOAUDIO, você poderá ministrar oficinas
utilizando gratuitamente nosso guia como recurso didático. Temos como objetivo
compartilhar essa maneira de fazer cinema para o maior número possível de
realizadores cinematográficos. A finalidade da criação do guia apresentado é
estimular a produção de filmes acessíveis aos telespectadores S/surdos e
ensurdecidos.
Não importa se você pretende disponibilizar tecnologias assistivas como a
legendagem em seu filme ou se você pensa em utilizar falas e diálogos, quer
seja em língua oral ou visual. O que desejamos é que a maneira VISOAUDIO de
fazer filmes seja divulgada, encorajando os cineastas a produzir filmes seguindo
a regra: “Mostre! Não fale!”.
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